Por Leslie Leyland Fiela
Há alguns anos, minha família e eu estávamos em uma viagem à Guatemala. Fomos lá visitar um homem que havia dedicado sua vida para servir em uma pobre congregação. Sentados à mesa, ao lado daquele obreiro dedicado ao árduo trabalho pastoral em uma nação com tantas dificuldades, conversamos sobre como fazia para educar seus quatro filhos. Ainda lidando com os desafios de criar nossos seis filhos, confessamos-lhe nossas limitações e falhas nessa árdua tarefa. “Seus meninos já estão grandes. O que o senhor aprendeu dos tempos em que eles ainda estavam na infância?”. Tínhamos a expectativa de que poderia nos dar preciosos conselhos. Mas ele não tinha nada a nos dizer. “Não sou a melhor pessoa para dar esses conselhos”, retrucou. “Não me enquadro no tipo perfeito de modelos parentais”. Um de seus filhos tinha problemas com vícios e outro viu seu casamento ruir.
Em silêncio após um momento, balançando lentamente a cabeça, ele continuou: “Eu também nunca supri as expectativas de minha mãe. Recentemente, lendo seu diário, descobri que os planos que tinha para mim não foram cumpridos, pois fiz escolhas diferentes das que ela esperava que eu fizesse”. Com voz entristecida, emendou: “Acho que ela me considera um fracassado”. Enquanto considerava que sua mãe também era um fracasso, questionei algumas coisas importantes. Dificilmente estou sozinha em minhas preocupações. Mais do que qualquer outra geração, os pais de hoje em dia estão preocupados com a possibilidade de estragarem a vida de seus filhos. Estudos feitos em 2006 mostram que pais e mães têm índice de depressão maior do que aqueles que não têm filhos. O livro de Judith Warner, Perfect Madness: Motherhood in an age of anxiety, capta a obsessão nacional quanto ao sucesso dos pais na educação dos seus filhos. O artigo de Joan Acocella na New Yorker, em novembro de 2008, The Child Trap, mostra, numa crônica quase desrespeitosa, a busca pelo sucesso de alguns que o autor qualifica como “pais até demais”.
A preocupação é tão grande que tem levado a uma enxurrada de lançamentos editoriais sobre o tema. Confessions of a Slacker Mom; The Three Martini Playdate: A Practical Guide to Happy Parenting; e Bad Mother: A Chronicle of Mothernal Crimes, Minor Calamities, and Occasional Moments of Grace. Nestes e em outros tantos livros populares, mulheres apresentam as mais diversas razões pela negligência na árdua tarefa de ser mãe. O que se percebe é que boa parte dos pais cristãos está na linha de frente da luta pelo sucesso na educação dos filhos. Tendo minha primeira experiência de maternidade enquanto ainda estava no meu primeiro ano de faculdade, logo percebi que a maior preocupação de um pai crente é a de que seus filhos abandonem a fé e deixem de servir a Deus. Parece que muitos de nós não são bem sucedidos nesse quesito. A saída de pessoas das igrejas nos Estados Unidos é muito grande, depois que se tornam jovens adultos. Uma pesquisa do Grupo Barna mostrou que 61% das pessoas nesta faixa encontram-se desviados do Evangelho. Mais recentemente, uma pesquisa intitulada LifeWay aprofundou a informação. Segundo o estudo, sete em cada 10 jovens entre 18 e 30 anos, que frequentavam igrejas protestantes na infância e adolescência, deixaram de frequentá-las até a idade de 23 anos. Sem entrar no mérito de qual pesquisa é mais precisa, um detalhe é claro – muitos dos jovens que cresceram na igreja não estão mais entre os seus membros.
Se isso não é suficiente para deixar os pais em pânico, as conclusões de outra pesquisa feita em 2008 pode assustá-los. Acerca dela, Sharon Bagley, em artigo publicado na revista Newsweek e intitulado But I Did Everything Right, mostra que, ao contrário da opinião de muitos experts, a genética pode ter mais influência sobre os filhos do que algumas práticas dos pais. Uma frase do texto é particularmente inquietante: “É importante lembrar que pais têm apenas influência sobre a vida de seus filhos”.
Esforço nulo – A serem verdadeiros os dados dos estudos, diversas coisas deverão ser questionadas, inclusive questões relacionadas à justiça. Afinal, todo o esforço dos pais evangélicos para manter seus filhos nos caminhos do Senhor – como admoestam as Escrituras no texto de Provérbios 22.6 –, a fim de que mais tarde não se desviem deles, pode ser nulo diante de algumas determinações genéticas. A reação imediata de indignação por causa destas pesquisas, contudo, deve ser repensada. Ao invés de confundir a verdade bíblica, esses estudos podem ajudar a Igreja e as famílias a entender algumas questões que têm sido negligenciadas ou distorcidas por décadas.
Não se pode negar que a ideia de que crianças nasçam como uma tábula rasa ainda permanece, de alguma forma, em nossa cultura. John Rosemond, psicólogo cristão de famílias e articulista, afirma que constantemente ouve pais afirmando que se sentem culpados quando algo de errado acontece com seus filhos. “Eles sentem isso porque acreditam na existência de uma psicologia determinista. Isto é, que os pais são capazes de determinar quem seus filhos são”, enfatiza o especialista. Muitos pais e autores cristãos têm absorvido esse determinismo espiritual – na verdade, uma absorção desse determinismo psicológico e sua espiritualização, inclusive com a busca de versículos bíblicos que deem base para tais argumentações. O resultado é uma versão cristã desse mito cultural, algo como “técnicas parentais cristãs produzem filhos tementes a Deus”. Provérbios 22.6 tem sido adotado como uma premissa psicológica e teológica para tal tese, a despeito de haver uma grande corrente hermenêutica que sustenta que os versos daquele livro bíblico não são conselhos divinos, mas máximas proclamadas por homens como o rei Salomão. Ele próprio, que teria escrito tal conselho, falhou na exemplificação dessa suposta verdade, já que, ao longo da vida e na velhice, abandonou os ensinos espirituais de seu pai, Davi.
A despeito de tudo isso, algumas técnicas têm sido desenvolvidas para assegurar que os filhos de cristãos tenham o futuro que seus pais desejam. Ao menos um desses programas – dizendo ter instruções corretas de educação dos filhos nos caminhos do Senhor – vendeu milhões de exemplares. Alguns dos autores mais conservadores estão tão convencidos dos seus métodos e técnicas que chegam a fazer, naturalmente, analogias do treinamento das crianças com objetos, como se o desenvolvimento infantil pudesse ser equiparado com o crescimento de tomates, por exemplo, ou com o adestramento de cães.
Ações X frutos – Embora o peso da responsabilidade trazida por essa teoria possa assustar, ela parece apresentar algumas vantagens. Uma delas é que é muito mais fácil medir o sucesso dos pais na educação de seus filhos. Basta examinar as evidências – a principal delas, o que acontece com os nossos filhos. Um autor chegou ao ponto de escrever: “Se pais fazem algo que parece ser bíblico, mas os frutos colhidos não são bons, eles definitivamente não fizeram o que a Bíblia prescreve”. Podemos estar certos disso, ele afirma, porque a Palavra de Deus nos apresenta tudo o que precisamos fazer para que nossos filhos cresçam tementes a Deus – nesta ótica, caso os princípios sejam corretamente aplicados, nenhum pai ficará desapontado. Muitos cristãos acreditam nesta tese. “Observe e aprenda com pais vencedores”, diz outro escritor cristão. “Pais vencedores são aqueles que têm filhos ‘obedientes’, ‘conhecedores da Palavra de Deus’, ‘respeitosos’ e ‘que vivem sua fé Cristo’, ele escreve. “Devemos seguir o exemplo desses pais, e não o dos fracassados”, sentencia.
Os exemplos bíblicos de campeões espirituais nos movem para uma direção completamente diferente. A galeria de heróis da fé, registrada em Hebreus 11, apresenta uma série de personagens que, através da fé, “venceram reinos, praticaram justiça, alcançaram promessas, fecharam a boca de leões, apagaram a força do fogo”. Crentes de tamanha fé que, diz a Bíblia, deles o mundo não era digno. Esses gigantes espirituais foram criados em lares que nada de extraordinário tinham, e alguns deles nem foram bons exemplos de pais ou mães. Abraão, por exemplo, teve um filho com a serva de sua mulher, Sara. Isaque e Rebeca tinham, abertamente, suas respectivas predileções entre os irmãos Esaú e Jacó. Rebeca fez com que seu filho mais novo cometesse algo terrível: roubasse a primogenitura de Esaú, o primogênito. Jacó aprendeu muito bem o que sua mãe lhe ensinou, e fez o mesmo com sua família, tendo declaradamente um favorito dentre seus filhos. Moisés, por sua vez, teve a filha mais nova, pagã, de faraó, como sua mãe adotiva. Já Jefté era filho de uma prostituta, e matou sua única filha por causa de um terrível voto.
Muitos outros exemplos das Escrituras confundem nossas expectativas parentais. Jônatas, o melhor amigo de Davi, foi um exemplo de homem justo e leal, ao contrário de seu terrível pai, o rei Saul. Além disso, o menino Josias, apontado como alguém que serviu ao Senhor “com todo o seu coração, toda sua alma e toda sua força”, conforme II Reis 23.25, tornou-se um rei justo no lugar de seu pai Amon, descrito no mesmo livro como alguém que “fez o que era mau aos olhos do Senhor”. Pelos padrões atuais, muitas dessas famílias seriam consideradas fracassadas, já que nutriam em seu meio práticas pecaminosas como poligamia, prostituição, inveja, ódio, predileção.
Determinismo espiritual – Precisamos confessar, logo, que há uma grande falha em nosso entendimento sobre a relação entre pais e filhos. Temos nos colocado numa posição que está além da que ocupamos, além de termos posto Deus em uma posição aquém à sua. Consequentemente, passamos a achar que temos mais controle sobre as situações do que, na realidade, possuímos. Inclusive, faz parte de nossa herança, como afirmou o psicólogo Harriet Lerner ,achar que podemos resolver todos os problemas, inclusive aqueles que estão além de nossas possibilidades. A raiz de boa parte de nosso sofrimento como pais deve-se ao fato de crermos que temos controle total sobre nossos filhos, quando na verdade não temos nem mesmo o controle sobre nossas próprias vidas.
A atitude de julgarmos a nós mesmos pelos nossos filhos, e a nossos filhos por nós mesmos, tem uma série de implicações. Ela revela uma visão distorcida de formação espiritual. Sempre partimos do pressuposto de que filhos de cristãos, quer eles tenham professado sua fé em Cristo ou não, darão as mesmas demonstrações de maturidade espiritual que esperamos ver nos outros: amor, alegria, paz, paciência, bondade – para apresentar apenas uma lista inicial. Só que, quando abraçamos esse determinismo espiritual, a partir de categorias humanas de formação espiritual, acabamos por falhar em nossos julgamentos alheios. A pergunta que fazemos a nós mesmos precisa ser reformulada. Precisamos parar de perguntar se somos pais bem sucedidos, e começar a perguntar se somos pais fiéis. Fidelidade, acima de qualquer coisa, é o que Deus requer de nós. Parece, então, que temos feito as perguntas erradas como pais. Estamos tão preocupados conosco – com nosso sucesso, nossos interesses – que encaramos a tarefa de educação dos filhos como uma prova. O resultado, a partir desse sistema, tem mostrado que temos falhado, já que muitos dos nossos filhos abandonam a igreja depois que saem da nossa casa. Agora, vem a genética dizer que essa tarefa é mais rígida do que imaginamos.
Parece ser impossível sermos aprovados, como pais, nesse teste. Preocupados com isso, sempre encontraremos pais e filhos mais felizes, obedientes e crentes do que nós. E pais com maiores porcentagens de formação dos tais “campeões espirituais”. Se nos colocarmos em uma escala, vamos perceber que somos ainda mais falhos. Foi por essa razão que um Salvador nos foi apresentado e oferecido pela graça, mediante a fé – “E isso não vem de nós, mas de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2.8,9). Se até mesmo nossa habilidade de confiar em Deus vem dele, porque achamos que podemos fazer qualquer outra coisa com base em nós mesmos? É preciso, antes, prostrarmo-nos diante do trono de Deus e clamarmos por sua ajuda para sermos bons pais.
Precisamos também repensar nosso chamado. Fomos convocados para apresentar aos nossos filhos o caminho da verdade “assentados em nossa casa, andando pelo caminho, deitando ou levantando” (Deuteronômio 6.7). Somos ainda conclamados a não suscitarmos nossos filhos à ira, mas a os criarmos “na doutrina e admoestação do Senhor”, conforme Efésios 6.4. É fundamental, contudo, conhecer os próprios limites. Não seremos capazes de formar perfeitos seguidores de Cristo, assim como nós não somos perfeitos. Nosso trabalho não pode garantir nem comprar a salvação de ninguém. Pais com filhos desviados, amigos com filhos nas prisões, pesquisas genéticas e os heróis da fé nos fazem lembrar da mesma coisa: a de que, mesmo crentes em Jesus, somos pais imperfeitos, nossos filhos farão suas próprias escolhas e Deus conduzirá todas as coisas de forma majestosa para o avanço do seu Reino.
Begley conclui com a seguinte frase: “É importante lembrar que pais têm apenas influência sobre a vida de seus filhos”. As Escrituras nos ensinam essa verdade – a de que só Deus é soberano sobre suas vidas. Crianças não são laranjas a serem plantadas e colhidas, animais a serem treinados ou números a serem equacionados. São seres humanos, feitos de forma majestosa. A educação de filhos, como qualquer outra tarefa debaixo do sol, exige amor, esforço, risco, perseverança e, acima de tudo, fé. Trata-se de fé, e não de uma fórmula; de graça, e não convicções próprias; de dedicação, e não sucesso. São essas coisas que farão com que nossos esforços, debaixo da graça de Deus, levem nossos filhos a crescer de forma saudável.
Leslie Leyland Fields é autora de Parenting Is Your Highest Calling e Eight Other Myths That Trap Us in Worry and Guilt (Waterbrook, 2008), de onde este artigo foi adaptado. Ela vive com seu esposo e seis filhos em Kodiak Island, no Alasca (EUA). Traduzido por Daniel Leite Guanaes
FONTE - Cristianismo Hoje
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